Afinal de Contaseducação – Afinal de Contas http://afinaldecontas.blogfolha.uol.com.br por Marcelo Soares Mon, 31 Oct 2016 12:55:38 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 As marchas são um bom sinal http://afinaldecontas.blogfolha.uol.com.br/2012/06/06/marchas/ http://afinaldecontas.blogfolha.uol.com.br/2012/06/06/marchas/#comments Wed, 06 Jun 2012 17:58:16 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/homepage/images/16244531.jpeg http://afinaldecontas.blogfolha.uol.com.br/?p=417 Minha ex-aluna Nanni Rios foi bloqueada no Facebook porque postou uma foto da Marcha das Vadias de Porto Alegre. Agora, preciso aprovar qualquer comentário que ela posta para mim, porque foi considerada spammer.

Luka Franca, a quem entrevistei no tempo da MTV, foi bloqueada porque postou uma foto sua, com os seios à mostra, na marcha de São Paulo. Meu colega Alexandre Orrico foi bloqueado no Facebook porque compartilhou uma reportagem do Lucas Sampaio com a foto da Luka – esta aqui ao lado.

Muita gente não entende por que raios as pessoas vão à rua reclamar por coisas tão aparentemente pequenas. Como o leitor Saulo Marino, de São Carlos:

“O que acontece é que hoje em dia está na moda ir para a rua reclamar. É marcha dos usuários de maconha, dos gays, das feministas, dos libertários… o problema é que esqueceram de avisar à população do que está acontecendo e por que está acontecendo. Esses movimentos vivem dentro de uma bolha ou viraram festa e perderam a identidade, esta é a verdade.”

Por que ficou “na moda ir para a rua reclamar”? Um estudo feito por um economista da Universidade Harvard e dois do World Justice Project sugere uma parte da resposta. A “Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar sobre Atitudes, normas culturais e valores em relação a violação de direitos humanos e violência”, publicada nesta semana pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP, sugere outro pedaço.

LEIA MAIS
“Education and quality of government” (PDF)
“Pesquisa nacional, por amostragem domiciliar, sobre atitudes, normas culturais e valores em relação à violação de direitos humanos e violência” (PDF)

O estudo do World Justice Project cruzou dados da Unesco, do Barômetro da Transparência Internacional e da International Crime Victims Survey. Os autores encontraram uma forte correlação entre o grau de educação da população e a propensão a reclamar quando encontram más condições de vida ou maus-tratos por parte das autoridades.

Cidadãos mais escolarizados são mais conscientes dos seus direitos, e portanto mais propensos a registrar queixa quando sofrem crimes ou injustiças. Mesmo quando é grande a chance de as queixas não serem atendidas, o crescimento no volume de queixas tem ao menos um pouco mais de chance do que a inércia de constranger as autoridades a trabalharem direito.

Nesse estudo, o Brasil está bem no meio da escala. Falta educação, falta qualidade de governo. Mas está melhorando o acesso à educação – em 2010, 27% dos brasileiros tinham pelo menos o segundo grau completo, contra 16% em 2000. Se a escolaridade está ligada à propensão para o protesto, então é simplesmente natural que um país mais escolarizado acabe reclamando mais. Você pode não se emocionar com as causas dos protestos, lógico – é um direito tão sagrado quanto o de protestar.

Já o estudo do NEV ficou popular ontem nos noticiários. Imensamente detalhado, ele tem 322 tabelas resumindo as atitudes dos brasileiros de 11 capitais em relação a aspectos dos direitos humanos: liberdade de imprensa, liberdade de manifestação, rejeição à tortura, se apanhava na infância e o que acha de apanhar na infância. As notícias sobre o estudo, porém, focaram basicamente no aumento do apoio dos brasileiros ao uso da tortura como forma de obter informações para investigações policiais.

Uma das coisas interessantes que o estudo traz é que cresceu na sociedade a opinião de que protesto não é crime.

Nos 11 anos entre 1999 e 2010, caiu a quantidade de gente que acha que os manifestantes mais exaltados devem ser presos em passeatas de estudantes, protestos de operários, passeata de professores por melhores salários e resistência de camelôs à retirada de barracas.

Hoje, dos moradores de capitais ouvidos na pesquisa do NEV, 65% acham que a polícia não deve fazer nada em passeatas de estudantes e 68% acham que a polícia não deve fazer nada em passeatas de professores. Em 1999 ainda havia 0,2% que pensavam que era lícito à polícia atirar e matar numa passeata de estudantes. Hoje, é zero redondo.

Passeata de estudantes     2010 1999
Não fazer nada 65,4 48,2
Prender os mais exaltados sem usar armas 31,4 46,4
Atirar e matar 0 0,2
Greve de operários     2010 1999
Não fazer nada 58,2 53,1
Prender os mais exaltados sem usar armas 38 42,4
Atirar e matar 0 0
Camelôs resistentes à retirada de barracas  2010 1999
Não fazer nada 28,7 27,4
Prender os mais exaltados sem usar armas 60,9 61,9
Atirar e matar 0,2 0,2
Rebelião em um presídio 2010 1999
Não fazer nada 8 5,1
Prender os mais exaltados sem usar armas 35,2 32,6
Atirar e matar 5,4 7,9
Passeata de professores por melhores salários  2010 1999
Não fazer nada 68,1 62,2
Prender os mais exaltados sem usar armas 28,5 35,2
Atirar e matar 0,2 0
Ocupação de terras pelo MST   2010 1999
Não fazer nada 29,5 27,8
Prender os mais exaltados sem usar armas 55,7 54,6
Atirar e matar 1,1 1

A pesquisa do NEV não quebra os dados pela escolaridade dos entrevistados, infelizmente.

Passe os olhos nos dois estudos, com tempo. Vale a pena para pensar em que país temos e que país queremos ter. Eu, pessoalmente, acho legal um país em que mulher tem o mesmo direito de homem de andar sem camisa. Acho importante um país em que o cidadão possa protestar exigindo seus direitos individuais, acima de tudo quando não prejudicam ninguém. (O Facebook, porém, discorda, o que é uma lástima.)

Aproveite para contar aqui nos comentários o que você pensa a respeito.

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As diferenças nas notas http://afinaldecontas.blogfolha.uol.com.br/2012/04/27/as-diferencas-nas-notas/ http://afinaldecontas.blogfolha.uol.com.br/2012/04/27/as-diferencas-nas-notas/#comments Fri, 27 Apr 2012 13:31:06 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/homepage/images/16244531.jpeg http://afinaldecontas.blogfolha.uol.com.br/?p=236 Chegou uma quantidade grande de comentários no post sobre as cotas.

Alguns questionavam o aspecto jurídico delas. A esses, recomendo o blog do Gustavo Romano. Outros questionavam o aspecto político. A esses, recomendo o blog É Tudo Política.

Dentro do tema do blog, alguns leitores questionaram o tamanho das diferenças. Por isso, voltei à tabela de ontem para fazer algumas comparações.

De fato, em apenas três cursos a nota de corte da cota 2 (estudantes negros e índios vindos de escolas públicas) foi maior do que a da ampla  concorrência: artes aplicadas, bacharelado em física e bacharelado em geografia.

Em 21 cursos, a nota de corte da cota 2 (estudantes negros e índios de escolas públicas) foi mais de 10% menor que a nota da ampla concorrência. Comparei com a tabela de áreas usada pela Fapesp. Desses cursos:

  • 9 são engenharias (agronômica, civil, de alimentos, de produção, elétrica – integral e noturno, mecânica, mecatrônica e química)
  • 3 são de ciências “exatas e da Terra”  (computação e química – bacharelado e licenciatura)
  • 1 é de ciências biológicas (farmácia)
  • 1 é de ciências agrárias (zootecnia)

Tem lá seu sentido, se lembrarmos das dificuldades que o ensino público tem para ensinar matemática. Dos outros sete cursos, os de ciências sociais aplicadas também têm sua cota de números:

  • 3 de sociais aplicadas (Administração – integral e noturno – e Arquitetura e Urbanismo)
  • 2 de humanas (Filosofia e Psicologia)
  • 2 de linguística,  letras e artes (Letras e Teatro)

As maiores diferenças estão aqui:

  • teatro (-27,58%)
  • engenharia elétrica integral (-23,25%)
  • engenharia química (-22,77%)
  • química bacharelado (-21,86%)
  • engenharia mecânica (-20%)

O que me espanta, na verdade, é o tamanho da diferença na nota de corte de Teatro.

Em outros 16 cursos, a nota de corte da cota 2 não foi nem 10% maior e nem 10% menor do que a da ampla concorrência.

Que comparações você faz?

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Nomes também são dados http://afinaldecontas.blogfolha.uol.com.br/2012/04/15/nome/ http://afinaldecontas.blogfolha.uol.com.br/2012/04/15/nome/#respond Sun, 15 Apr 2012 21:09:49 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/homepage/images/16244531.jpeg http://afinaldecontas.blogfolha.uol.com.br/?p=94 Cotidiano publica hoje uma reportagem do Ricardo Mioto (link para assinantes) sobre as tendências de nomes de batismo para crianças em São Paulo.

Segundo estudo do economista Lucas Scottini a partir dos nomes de mais de 10 milhões de alunos da rede pública de São Paulo, nomes italianos estão se tornando cada vez mais comuns entre as famílias brasileiras. Scottini também detectou que os nomes dados pelos famosos aos filhos influenciam as escolhas dos nomes dos filhos de seus admiradores.

No Brasil, não temos registros agregados de nomes. Foi por isso que o economista da USP usou um indicador aproximado – alguns anos depois de nascer, a criança vai para a escola.

Nos Estados Unidos, há décadas, existem registros dos nomes mais populares registrados. O mecanismo de busca Wolfram Alpha, por exemplo, tem esses dados para os anos de 1880 a 2010. Quando você digita nele um nome, uma das opções de resultado é a frequência com que esse nome é atribuído a crianças.

A frequência com que determinados nomes são atribuídos a crianças pode lançar luz sobre padrões de imigração, entre outros.

Na reportagem de hoje, Scottini lembra das corruptelas de nomes estrangeiros que se tornam populares no Brasil  de tempos em tempos: “Nos anos 1990, tivemos um boom de Daianas e Leidianas (com todas as grafias imagináveis), de Maicon, de Deivid”.

Isso também é comum em outros países. Nomes estrambóticos revelam muito sobre a classe social, como mostra o capítulo 6 do livro “Freakonomics” – “A Roshanda by any other name” na edição original; não tenho a edição brasileira por causa de algo que vou comentar em outro post.

Foi esse estudo que Scottini tentou replicar em seu mestrado, em projeto originalmente intitulado “Discriminação na Escola: o impacto dos nomes”. Possivelmente devido à dificuldade de encontrar bons indicadores para medir com maior grau de certeza a discriminação, ao longo do trabalho o foco mudou para “O que o nome nos ensina? Padrões sociais e raciais de nomes e sobrenomes e performance escolar em São Paulo“. (Grato à leitora Acácia Maduro Hagen pelo link.)

Esse é um tipo de trabalho muito interessante e potencialmente revelador.

Existem trabalhos bem menos hábeis feitos a partir dos dados de frequência de nomes, que extraem conclusões erradas. Foi o caso, por exemplo, deste estudo apresentado em janeiro de 2009 na universidade de Shippensburg, nos EUA:

First Names and Crime: Does Unpopularity Spell Trouble?

Os autores compararam a frequência dos nomes dados a crianças à frequência dos nomes de prisioneiros e concluíram: Wecsleys têm mais chance do que Joões de serem presos. Portanto, a conclusão popular foi que nomes estrambóticos poderiam ser um fator de influência numa futura carreira criminosa. Um prato cheio para ímãs de cliques em tudo o que era portal.

Só que não é bem assim, como analisou Steve Levitt no blog do Freakonomics.

Levitt observou que o que os autores fizeram foi pegar a quantidade de Joões presos e ver qual sua proporção em relação aos Joões vivos. Depois, pegaram a quantidade de Wecsleys presos para ver qual a sua proporção em relação aos Wecsleys vivos.

O problema disso: são quantidades diferentes, portanto estamos comparando laranjas com acerolas. Um Wecsley preso pesa proporcionalmente muito mais do que um João preso.

Pior: isso já estava explícito logo no resumo do artigo original.

“Nomes incomuns possivelmente não são a causa do crime, mas podem estar correlacionados a fatores que aumentam a tendência à delinqüência juvenil.”

Correlação não é causa. Educação e renda são fatores correlacionados, mas você pode estudar a vida toda sem ficar rico. Levitt traduz essa declaração para termos mais compreensíveis:

      É mais ou menos como dizer: sabemos que as pessoas que regularmente usam macacão laranja são mais possivelmente criminosas, porque macacão laranja vem a ser o uniforme da prisão estadual. Usar macacão laranja não é a causa da atividade criminosa, mas é altamente correlacionado ao envolvimento com crimes no passado.

Você poderia fazer um estudo semelhante, a partir dos nomes de jogadores da Série A do Brasileirão. Só o Santos tem um Neymar, um Alan Kardec, um Humberlito, um Ibson e um Elano.

A conclusão seria: quem tem nome esquisito tem mais chance de ser craque. Mas não é bem assim, embora meu nome seja comum e eu seja perna-de-pau.

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