Nomes também são dados

Por Marcelo Soares

Cotidiano publica hoje uma reportagem do Ricardo Mioto (link para assinantes) sobre as tendências de nomes de batismo para crianças em São Paulo.

Segundo estudo do economista Lucas Scottini a partir dos nomes de mais de 10 milhões de alunos da rede pública de São Paulo, nomes italianos estão se tornando cada vez mais comuns entre as famílias brasileiras. Scottini também detectou que os nomes dados pelos famosos aos filhos influenciam as escolhas dos nomes dos filhos de seus admiradores.

No Brasil, não temos registros agregados de nomes. Foi por isso que o economista da USP usou um indicador aproximado – alguns anos depois de nascer, a criança vai para a escola.

Nos Estados Unidos, há décadas, existem registros dos nomes mais populares registrados. O mecanismo de busca Wolfram Alpha, por exemplo, tem esses dados para os anos de 1880 a 2010. Quando você digita nele um nome, uma das opções de resultado é a frequência com que esse nome é atribuído a crianças.

A frequência com que determinados nomes são atribuídos a crianças pode lançar luz sobre padrões de imigração, entre outros.

Na reportagem de hoje, Scottini lembra das corruptelas de nomes estrangeiros que se tornam populares no Brasil  de tempos em tempos: “Nos anos 1990, tivemos um boom de Daianas e Leidianas (com todas as grafias imagináveis), de Maicon, de Deivid”.

Isso também é comum em outros países. Nomes estrambóticos revelam muito sobre a classe social, como mostra o capítulo 6 do livro “Freakonomics” – “A Roshanda by any other name” na edição original; não tenho a edição brasileira por causa de algo que vou comentar em outro post.

Foi esse estudo que Scottini tentou replicar em seu mestrado, em projeto originalmente intitulado “Discriminação na Escola: o impacto dos nomes”. Possivelmente devido à dificuldade de encontrar bons indicadores para medir com maior grau de certeza a discriminação, ao longo do trabalho o foco mudou para “O que o nome nos ensina? Padrões sociais e raciais de nomes e sobrenomes e performance escolar em São Paulo“. (Grato à leitora Acácia Maduro Hagen pelo link.)

Esse é um tipo de trabalho muito interessante e potencialmente revelador.

Existem trabalhos bem menos hábeis feitos a partir dos dados de frequência de nomes, que extraem conclusões erradas. Foi o caso, por exemplo, deste estudo apresentado em janeiro de 2009 na universidade de Shippensburg, nos EUA:

First Names and Crime: Does Unpopularity Spell Trouble?

Os autores compararam a frequência dos nomes dados a crianças à frequência dos nomes de prisioneiros e concluíram: Wecsleys têm mais chance do que Joões de serem presos. Portanto, a conclusão popular foi que nomes estrambóticos poderiam ser um fator de influência numa futura carreira criminosa. Um prato cheio para ímãs de cliques em tudo o que era portal.

Só que não é bem assim, como analisou Steve Levitt no blog do Freakonomics.

Levitt observou que o que os autores fizeram foi pegar a quantidade de Joões presos e ver qual sua proporção em relação aos Joões vivos. Depois, pegaram a quantidade de Wecsleys presos para ver qual a sua proporção em relação aos Wecsleys vivos.

O problema disso: são quantidades diferentes, portanto estamos comparando laranjas com acerolas. Um Wecsley preso pesa proporcionalmente muito mais do que um João preso.

Pior: isso já estava explícito logo no resumo do artigo original.

“Nomes incomuns possivelmente não são a causa do crime, mas podem estar correlacionados a fatores que aumentam a tendência à delinqüência juvenil.”

Correlação não é causa. Educação e renda são fatores correlacionados, mas você pode estudar a vida toda sem ficar rico. Levitt traduz essa declaração para termos mais compreensíveis:

      É mais ou menos como dizer: sabemos que as pessoas que regularmente usam macacão laranja são mais possivelmente criminosas, porque macacão laranja vem a ser o uniforme da prisão estadual. Usar macacão laranja não é a causa da atividade criminosa, mas é altamente correlacionado ao envolvimento com crimes no passado.

Você poderia fazer um estudo semelhante, a partir dos nomes de jogadores da Série A do Brasileirão. Só o Santos tem um Neymar, um Alan Kardec, um Humberlito, um Ibson e um Elano.

A conclusão seria: quem tem nome esquisito tem mais chance de ser craque. Mas não é bem assim, embora meu nome seja comum e eu seja perna-de-pau.