Um passageiro da Trip Linhas Aéreas foi expulso do voo na sexta-feira depois de se recusar a viajar num avião que tivesse uma mulher como piloto. Nos comentários da notícia publicada ontem pela Folha.com, muitos leitores fizeram comentários machistas como “nunca vi fogão com asas” e outros do gênero.
Em pleno 2012, não devia ser novidade uma mulher no manche em qualquer país onde mulher não seja obrigada a andar de burca. Há registros de mulheres pilotando coisas que voam desde que Elisabeth Thimble voou com um balão de ar quente, em 1784. Na década de 1920, quando minha avó era criança, Amelia Earhart – a simpática moça da foto que ilustra este post – não apenas usava calça como também cruzava o Atlântico pilotando aviões. Se bobear, até votava e trabalhava fora, para assombro dos machistas de 2012.
É interessante a maneira como muita gente pensa em riscos sem pensar em proporções. Há um ano, eu embarcava num avião em Brasília. Quando estávamos subindo a escadinha, uma outra passageira se apavorou.
“Isso aí é um Fokker 100? Ah, essa não. Foi esse mesmo avião que estava no acidente da TAM. Nunca mais compro passagem desta empresa aérea.”
Houve dois acidentes com Fokkers da TAM no Brasil, em 1996 e 2001. Ao todo, no mundo, houve apenas 9 acidentes nesse modelo de aeronave (dos quais só três com mortes). O de 1996, com 99 vítimas, foi o pior de todos – elas são mais da metade das 178 mortes nesses acidentes com Fokker. É bastante? Qualquer morte é muita coisa. Mas a questão é de manter uma noção de risco proporcional.
VEJA DADOS
461 Acidentes no Brasil – Aviation Safety Network (banco de dados)
Acidentes de avião por causa contribuinte (Aviation Safety Network)
Quase perguntei que modelo de carro ela dirige, pra tentar levantar casos de acidentes com ele. Tenho certeza de que houve mais acidentes ou ao menos bem mais mortes.
Se você quer realmente ver que fatores colaboram para um acidente de avião, recomendo dar uma longa fuçada no banco de dados da Aviation Safety Network. Vale a pena. O link está aí em cima.
O canadense Dan Gardner escreveu um livro precioso. Seu título é “Risco – a ciência e a política do medo“. Logo no prólogo, Gardner conta uma das reações ao 11 de Setembro. Com medo de voar, muita gente passou a pegar seu carro e ir para a estrada.
“Só que ninguém falou a respeito do aumento explosivo das viagens de automóvel. Por que falariam? Era secundário. Havia ameaças mortais com que se preocupar. Uma coisa que nenhum político mencionou foi que as viagens aéreas são mais seguras do que as viagens terrestres. Sensivelmente mais seguras – tanto que a parte mais perigosa de um típico voo comercial é o percurso até o aeroporto. Na verdade, a diferença em termos de segurança é tão grande que os aviões continuariam sendo mais seguros que os carros mesmo que a ameaça de terrorismo fosse inimaginavelmente pior do que ela realmente é: um professor americano calculou que, mesmo que os terroristas estivessem sequestrando e derrubando um jato de passageiros por semana nos Estados Unidos, uma pessoa que voasse uma vez por mês durante um ano teria apenas uma chance em 135 mil de morrer em um sequestro – um risco pequeno se comparado à chance anual de uma em 6 mil de morrer em um acidente de automóvel.”
Isso me lembra em boa parte argumentos que ouço sempre que defendo que me faz bem não ter carro. Eu não tenho por opção, por pesar vários bons motivos: um carro a mais na rua é um carro a mais engarrafando a rua; transporte público (ônibus, metrô e até táxi) tá na rua pra isso mesmo; não dirigindo, posso aproveitar o tempo dos deslocamentos pra atualizar as leituras. Vai ter dias como hoje, em que o metrô para, o ônibus entope e as ruas travam. Mas na média prefiro o transporte público.
“Ah, mas eu prefiro gastar mais pra ter o meu carrinho a ficar pegando ônibus e ser assaltado”, já ouvi. Ora, eu ando de ônibus desde criança. Nunca fui assaltado em ônibus. Talvez um dia seja, embora prefira não – há gente que é, sim, mas não é todo mundo e nem é todo dia.
Eu não conheço ninguém que tenha sido assaltado no ônibus, mas conheço quem tenha sido assaltado no carro. Conheço quem tenha tido o carro roubado – o que é um prejuízo maior do que ter a carteira roubada no ônibus. E conheço mais gente que sofreu acidente de carro do que de ônibus.
No limite, precisamos conviver com a noção de que só não corre risco quem não vive. Dá pra avaliar riscos racionalmente, com algum bom senso e um pouco de pesquisa. Riscos avaliados podem ser reduzidos. O que não dá é pra deixar o medo mandar em nós.
No filme “Elsa & Fred“, há uma frase que resume bem isso. Elsa, uma viúva divertida e trapalhona, conhece Fred, um viúvo quietão e hipocondríaco. Acho que a frase vem numa cena em que Fred diz que não pode comer uma sobremesa por causa do colesterol. Elsa diz:
– No tienes miedo de morirte; vos tenés miedo de vivir.