Por que conferências grandiosas dão errado

Por Marcelo Soares

Foto: Sergio Moraes – 18.jun.12/Reuters

Balanço da Rio+20: muito blablablá, várias matérias de TV sobre criancinhas reciclando lixo, alguns pares de seios ao vento e nenhum acordo significativo para reduzir o aquecimento global. Por quê?

Nathaniel Heller, diretor da organização Global Integrity (com a qual colaborei diversas vezes), afirma que essa dificuldade pode se dever a um esgotamento do modelo das grandes conferências. Ele sabe o que diz: já participou de várias. E acha que são um desperdício de tempo e dinheiro.

Há muitos interesses em jogo, muitos países diferentes, com políticas diferentes – e tentar impor metas únicas de consenso para todos, nesse contexto, seria receita certa para não haver acordo significativo (o que foi o caso) ou sair um acordo para-inglês-ver, que nunca será cumprido.

Trechos traduzidos por mim de um artigo que ele escreveu para o blog da Global Integrity (“O que a Rio+20 pode ensinar à Open Government Partnership“):

1) “Tratados e compromissos internacionalmente vinculantes estão a caminho de se tornarem obsoletos, se é que já não são, como forma de resolver problemas de ação coletiva. Conforme governos e estados-nação continuam a perder significatividade e poder no palco internacional, são os indivíduos e as empresas privadas que importam mais do que nunca para obter progressos nos mais duros desafios da sociedade.”

2) “Cúpulas físicas são cada vez mais um desperdício de tempo, dinheiro e capital político. Na era da internet, ficou cada vez mais difícil para eventos internacionais esconderem o fato de que alguns são bastante ruins. Isto, no mínimo, é o que os fiascos de Copenhague e do Rio dolorosamente nos ensinaram. Pessoalmente, posso viver com um encontro anual de ministros, mas espero que a OGP permaneça contrária a grandiosas conferências que a distraiam do trabalho realmente importante: reforçar planos de ação dos países por meio de consultas significativas à sociedade civil doméstica. Nenhuma conferência pode fazer isso.”

3) “Precisamos pensar de maneira crítica se a busca do consenso global em questões muito complicadas (como o governo aberto, ou aquecimento global, ou desenvolvimento sustentável) vale o custo, e se existem mecanismos alternativos para obter resultados semelhantes (ou melhores). Ao invés de perder anos negociando um texto diluído com o qual ninguém fica feliz, a abordagem da OGP de encorajar uma coleção competitiva de compromissos únicos e desenvolvidos nacionalmente parece ser o futuro.”

Onde entram os dados nisso?

Pense nas metas de desenvolvimento do milênio. Meta não é nada sem um número.

Uma delas fala em reduzir em dois terços até 2015 a mortalidade de crianças menores de 5 anos de idade. O site Objetivos do Milênio dá números otimistas dessa meta:

BRASIL: A mortalidade de crianças com menos de um ano foi de 47,1 óbitos por mil nascimentos, em 1990, para 19 em 2008. Até 2015, a meta é reduzir esse número para 17,9 óbitos por mil. A expectativa é de que esse objetivo seja cumprido ainda antes do prazo, mas a desigualdade ainda é grande: crianças pobres têm mais do que o dobro de chance de morrer do que as ricas, e as nascidas de mães negras e indígenas têm maior taxa de mortalidade. Por região, o Nordeste apresentou a maior queda nas mortes de zero a cinco anos.

O problema: mesmo esse resumo otimista dá a medida do quanto medir pelo país é insuficiente. olhando os dados do IBGE sobre mortalidade infantil (1990-2009), a gente tem que, embora o Brasil tenha reduzido por mais da metade, de 47 crianças a cada mil nascidas em 1990 para 22,5 por mil nascidas em 2009, isso varia muito de Estado para Estado. Em 2009, estávamos assim:

Têm menos mortalidade infantil do que o estipulado na meta:

Espírito Santo 17,7
Paraná 17,3
Mato Grosso do Sul 16,9
Distrito Federal 15,8
Santa Catarina 15
São Paulo 14,5
Rio Grande do Sul 12,7

Têm mais que o dobro da mortalidade infantil estipulada na meta:

Alagoas 46,4
Maranhão 36,5
Pernambuco 35,7
Paraíba 35,2
Rio Grande do Norte 32,2
Sergipe 31,4
Bahia 31,4

Ou seja: dando uma melhoradinha aqui e ali, especialmente nos Estados intermediários, o Brasil pode atingir a meta – inclusive antes do prazo, como diz o site otimista – sem que melhore significativamente a situação de Alagoas.

Mais ainda: em 1990, quando a média brasileira era de 47,1 crianças mortas a cada mil nascidas, o índice de Alagoas era de 96,25 crianças mortas a cada mil nascidas. Reduzir isso em dois terços significaria reduzir para 32,08 crianças mortas a cada mil – o que já seria mais do que o dobro do índice estipulado para o Brasil.

E olha que reduzir a mortalidade infantil nos Estados brasileiros envolve menos fatores de difícil solução do que resolver a questão das emissões de carbono no mundo inteiro…