Afinal de Contas

por Marcelo Soares

 -

Marcelo Soares escreve sobre dados e o que eles podem revelar

PERFIL COMPLETO

Publicidade

Alguém no Senado sabe quem não quis cassar Demóstenes?

Por Marcelo Soares

O senador Demóstenes Torres acaba de ser cassado, por 56 votos a 19, em votação secreta.   Embora tenha caído o sigilo das votações de cassação de pares, isso não vale para esta. Tem senadores abrindo seu voto no Twitter, mas eles podem dizer qualquer coisa sobre como votaram. Podem até votar não e dizer que votaram sim, pra fazer média com a plateia.

É a segunda vez em que um senador é cassado pelo voto secreto dos colegas; da primeira vez, a votação não foi tão secreta assim. É quase certo que, neste momento, alguém no Senado está lendo a lista dos senadores que não quiseram cassar Demóstenes Torres.

A chance é grande e precedentes existem.

A votação ocorre num painel digital, e não existe sistema digital plenamente seguro. Sempre existem brechas. Você viu nos últimos meses o LinkedIn, o Twitter, a Sony e outras grandes empresas serem invadidos e terem senhas e números de cartão de crédito roubados. Mesmo com todo o investimento que elas fazem em segurança da informação.

No Senado, dificilmente é diferente. Tudo depende de motivação.

Saber quem votou contra a cassação de um senador impopular é uma motivação forte – essa informação vale ouro por baixo dos panos da política. Ela não precisa chegar ao cidadão para ser útil. Basta o chantageador dizer ao chantageado algo como “faça o que eu digo ou eu vazo e todos saberão que você foi contra a cassação”. Em ano eleitoral? Ouro puro.

É o mais eloquente argumento contra o voto secreto no Parlamento.

Até agora, o Senado só havia cassado um senador: Luiz Estevão, em junho de 2000. Hoje a Folha publica uma entrevista com ele, feita pelo repórter Filipe Coutinho.

Meses depois da cassação, o então presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães, reuniu-se com procuradores da República para tentar reacender uma investigação de corrupção contra o governo Fernando Henrique Cardoso – o famoso “caso EJ”. No meio da conversa, ele se gabou de ter a lista de todos os que votaram contra a cassação de Estevão.

A conversa foi gravada e entregue à revista Istoé, o que levou a uma reviravolta grande no Senado. A Folha publicou trechos da gravação.

O ponto mais instrutivo em relação aos dados é a maneira como as informações foram obtidas por ACM. Acompanhei o passo a passo do caso, como redator do então caderno Brasil da Folha. Nerd de carteirinha, minha maior curiosidade era em saber como foi fraudado o painel de votações.

Em 9 de maio de 2001, o Senado fez uma acareação com Regina Célia, então chefe de informática do Senado, e os senadores ACM e José Roberto Arruda (sim, aquele) . A Folha cobriu a sessão minuto a minuto (leia aqui).  Teria acontecido assim:

  • Antes da cassação, falando em nome de ACM, Arruda procurou Regina Célia e disse que gostariam de saber quem votou como.
  • Regina Célia encarou como uma ordem e tomou as medidas necessárias para saber.
  • No dia seguinte, Regina Célia ligou para Arruda dizendo ter a informação pedida. Entregou a lista num envelope pardo.
  • Ela diz que não contou a ele como foi feito. Na acareação, diz que foi feito um programa para pegar as informações.
  • Questionada sobre a fragilidade do sistema, Regina Célia afirma: “Não há sistema hermético. Há mais difícil e menos difícil. “

A informação de que existia uma lista dos que votaram contra a cassação de Estevão levou seis meses para circular fora das mais altas rodas políticas de Brasília.

Depois do caso, houve mudanças no sistema. Os votos ficariam numa memória provisória, que se apagaria logo depois (em 2007 a Folha publicou isto). É mais seguro, mas não existe “impossível” e nem “absolutamente seguro” em informática. Como disse Regina Célia, há “mais difícil e menos difícil”.

Se alguém sabe desta vez, quanto tempo deve levar para vazar?

Blogs da Folha

Mais acessadas

Nada encontrado
Publicidade
Publicidade
Publicidade