Afinal de Contas

por Marcelo Soares

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Quanto custariam hoje as noitadas no Bataclan?

Por Marcelo Soares

EDITADO: O post teve alguns acréscimos depois da troca de ideias com a Josélia Aguiar nos comentários e da consulta a um livro. Sinta-se à vontade para trazer mais ideias.

O jornalista Artur Tavares, que trabalhou comigo na MTV, trouxe uma dúvida interessante. Ele vê assiduamente na novela “Gabriela” o luxo do cabaré Bataclan. Vê as moças rotineiramente falando em cobrar duzentos mil-réis pelas noitadas. Ontem, uma virgem foi leiloada por um conto de réis – ou um milhão de réis.

No livro, os coronéis distribuem notas de quinhentos mil-réis às moças. A casa de luxo existiu mesmo e seu prédio foi restaurado com auxílio da Petrobras. Na época, diz o romance, ela levava a Ilhéus shows considerados de altíssimo nível artístico enquanto os coronéis diziam para as moças a singela frase “vam’ subir mais tu”.

Dinheiro não faltava aos barões do cacau, certamente. Quanto custariam esses valores hoje, pergunta o Artur?

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Superfreakonomics (Steven Levitt e Stephen Dubner)

O melhor jeito seria atualizar pela inflação. Nenhum dos índices de inflação atualmente existentes, porém, chega a 1925, o ano em que se passa o início da trama. O índice mais antigo que existe hoje é o IPC da Fipe, que começou a ser calculado em 1942.

Outra possibilidade é olhar nos jornais da época os preços de coisas que ainda existem hoje. A Folha tem no seu acervo online as edições de 1925 da Folha da Manhã. Títulos da Bolsa, câmbio e preços de commodities eram publicados na página “Parte Commercial”. Neste link está a do dia 28 de outubro de 1925.

Ali, a saca de 60 quilos do feijão custava 24 mil réis. Ontem, o preço médio da saca do feijão era de R$ 146,67. Isso faria com que mil réis custassem em torno de R$ 6, se a referência fosse o feijão. Assim, quinhentos mil-réis custariam algo como R$ 3 mil. Mas esse preço dependeria muito das condições climáticas brasileiras, do mercado internacional e da mudança na produção do feijão.

Outra forma de comparar seria levantar valores comparáveis aos descritos no original. Nossa especialista em Jorge Amado é a minha mestra Josélia Aguiar, do blog Livros Etc., mas dei uma folheada no livro para procurar exemplos. Os roteiristas da novela da TV, escrita em 2012, dificilmente mantêm referência da época.

No livro, escrito em 1958 – 23 anos após a data em que a história se passa – Jorge Amado fala pouco em valores. Há várias menções meio vagas e claramente exageradas, como

“O dinheiro rolava fácil, nos cabarés corria o champanha, nova carga de mulheres em cada navio, os estudantes fazendo concorrência aos moços do comércio e aos caixeiros-viajantes no xodó das raparigas. Os coronéis pagando, pagando com largueza, rasgando dinheiro, notas de quinhentos mil-réis.”

O livro também diz que o contratar Gabriela como cozinheira, Nacib lhe fez esta proposta salarial:

– Se você sabe mesmo cozinhar, lhe faço um ordenadão. Cinqüenta mil-réis por mês. Aqui pagam vinte, trinta é o mais.

Mais tarde, o salário foi aumentado para 60 mil-réis. Não dá pra comparar com o salário mínimo, por exemplo. A lei que o criou é de 1936. Os salários para funções mais modestas eram MUITO baixos.

Quando Gabriela pede dinheiro para ir ao cinema com dona Arminda, Nacib dá cinco mil-réis para as duas entradas – isso é considerado generoso. Na época cinema era diversão de luxo, hoje é apenas uma diversão cara.

Mas digamos que seja mais ou menos equivalente e cinco mil-réis valeriam mais ou menos uns R$ 50 – dá para duas entradas num cinema de shopping e talvez um café cada uma.

Nessa hipótese, então, vamos supor que cada mil réis valeriam R$ 10 de hoje.

Não é uma conversão exata – é o que os britânicos chamariam de “educated guess” (chute informado). Não discrepa tanto do preço da saca do feijão e consegue dar conta dos preços encontrados.

O salário de Gabriela, nessa estimativa, valeria cerca de R$ 500 mesmo sendo considerado por Nacib alto para uma cozinheira da época.

A essa taxa de conversão, as notas de quinhentos mil-réis que os coronéis distribuíam às moças do Bataclan valeriam… R$ 5 mil. A virgindade da nova moça do Bataclan custaria R$ 10 mil. Preço alto. Mas o livro não menciona preços específicos, então pode ser exagero dos roteiristas atuais.

Existe uma forma de comparar.

O livro “Superfreakonomics“, de Levitt e Dubner, dá uma ideia semelhante a respeito de uma casa de luxo nos EUA do início do século 20: o Everleigh Club, de Chicago. Parecia com o Bataclan até na arquitetura – veja a foto ao lado.

De acordo com os autores, no começo da década de 1910 a prefeitura de Chicago reuniu uma Comissão do Vício para debater o negócio da prostituição nos EUA. De acordo com o relatório, os fregueses do Everleigh Club pagavam o equivalente a US$ 250 atuais apenas para entrar na casa. Uma garrafa de champanhe custaria a preços de hoje US$ 370. As moças da casa, diz o livro, poderiam ganhar até o equivalente atual a US$ 430 mil por ano.

Um programa lá, dizem os economistas, custaria hoje algo como US$ 1.250 – ou R$ 2.500, ou 250 mil réis na conversão que improvisei. Até fecha, se for por aí. Só o que não fecha é a frequência com a qual os coronéis frequentavam a casa. Pode ser licença poética de Jorge Amado em nome da crítica social, talvez. É muito fora do meu quadro de referências.

E isso tem relação com o que ocorre nos tempos atuais? A autoridade no assunto é o grande Xico Sá, mas é possível consultar o noticiário para ter uma ideia.

Em 2007 as casas de prostituição de luxo de São Paulo foram alvo de forte fiscalização do prefeito Gilberto Kassab, que fechou várias. Isso gerou diversas reportagens a respeito, onde se pode ter uma ideia do quanto movimentam os “vam’subir” de hoje.

Os quinhentos mil-réis de 1925 representariam mais ou menos dez vezes o que as moças do ramo ganhavam por encontro na boate Bahamas, segundo reportagem publicada pela Folha em 2007, quando a casa foi fechada.

Certamente devem existir profissionais que ganham R$ 5 mil ou mais por encontro. Mas nem de longe uma casa do gênero hoje tem a mesma dimensão que o Bataclan parecia ter na época dos coronéis. Mas há em São Paulo quem gaste até R$ 3.500 para garantir uma mesa numa balada grã-fina, então vai saber.

Sejam bem-vindos a trazer suas ideias a respeito aqui aos comentários.

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