Brasília, a capital do Brasil, é a cidade mais próspera do interior de Goiás – que também tem cidades tão pobres que recebem a merenda escolar em lombo de jegue, mesmo estando mais perto da capital do país do que da capital do Estado.
Brasília foi criada em parte para que o presidente Juscelino Kubitschek ficasse longe dos protestos políticos no Rio de Janeiro da metade da década de 1950. Ditadura militar, governo Sarney, Collorgate, compra de votos da reeleição, mensalão… tudo isso aconteceu lá.
Será que tem a ver com a distância geográfica entre os representantes e os representados? A nossa colunista Barbara Gancia acredita que sim, conforme disse recentemente no programa “O Maior Brasileiro de Todos os Tempos”.
É possível testar essa hipótese com dados, segundo um estudo publicado em versão preliminar no site da Harvard Kennedy School (baixe aqui, em inglês). Entre os autores, dois acadêmicos são brasileiros e um é de Cingapura. Este é o resumo:
“Mostramos evidências empíricas de que países não-democráticos com capitais isoladas mostram pior qualidade de governança, mensurada em várias dimensões diferentes. Oferecemos um quadro de referência de escolha institucional endógena relacionado a esse fato estilizado, com base na ideia de que elites autocráticas são constrangidas pela ameaça de rebelião, e de que essa ameaça fica menos eficaz com a distância da sede do poder político. Compartilhar o poder mais amplamente (fator associado à melhor governança) significa que quaisquer receitas devem ser divididas mais amplamente, e portanto a elite tem menos incentivo para proteger sua posição isolando a capital. Inversamente, uma capital mais isolada permite que a elite se aproprie de uma fatia maior dos resultados, e portanto os custos da melhor governança para a elite (as rendas que teriam de ser compartilhadas) são maiores. No equilíbrio, uma correlação entre capitais isoladas e mau governo emerge como resultado. O quadro de referência faz previsões adicionais sobre o tamanho do prêmio de renda recebido pelos habitantes da capital e sobre o nível de gasto militar por parte das elites do poder, o que também tem o apoio das evidências.”
Faltam as tabelas do estudo, por ser uma versão preliminar, então posso apenas avaliar se os argumentos fazem sentido dentro da condução do raciocínio. Parecem fazer.
Os pesquisadores dizem que os dados podem provar que, quanto mais isolada a elite – e, por definição, a classe política dominante É a elite, independente do discurso que um ou outro grupo adote em torno do termo -, mais fácil ela se autoconceder privilégios sem ter de enfrentar de verdade o protesto do cidadão comum. Mais fácil ela confraternizar mesmo na hora do confronto.
Pense na relutância em adotar a transparência sobre os salários do Judiciário, entre outros.
Pense na confraternização entre acusação e defesa do mensalão, ao som do tema de “O Poderoso Chefão”.
Não faltam exemplos para quem lê o caderno Poder.
Voltando ao estudo, o capítulo 3 oferece uma teoria do mau governo em capitais isoladas e o modelo utilizado para calcular. Eles levam em conta indicadores de concentração de recursos, estabilidade das instituições, ocorrência de rebeliões civis e governança, até calcular quanto a mais “vale” quem mora no centro do poder. Segundo eles, também, uma capital mais isolada está relacionada a menores gastos militares, pois há menos rebeliões internas a conter.
O que eles propõem para tentar corrigir essa distorção? “Accountability”, essa palavra do inglês que significa prestação de contas ao cidadão.
“Entre os países que são relativamente não-democráticos, e para um dado nível de consolidação das instituições democráticas, deve-se ter em mente que os regimes que conseguem encastelar-se numa capital isolada têm chances de enfrentar pouca accountability e portanto atender menos aos seus cidadãos”, diz o estudo.
Por isso e por todos os outros motivos, vale a pena observar de perto como se desenvolverá a queda de braço entre governo e sociedade civil em torno do atendimento à lei de acesso a informações públicas. Ela vem para quebrar essa lógica pouco transparente que preserva e concentra privilégios.