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por Marcelo Soares

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Marcelo Soares escreve sobre dados e o que eles podem revelar

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Ciência otimista gera remédios perigosos

Por Marcelo Soares

Dizem que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. Às vezes, porém, a diferença entre o remédio e o veneno é o otimismo nas pesquisas. Sabe aquela história de que ora o ovo faz mal, ora o ovo faz bem? É por aí.

Para garantir publicação em revistas acadêmicas, muitos cientistas acabam selecionando apenas os resultados positivos de suas pesquisas, deixando de lado resultados complicados que podem fazer a diferença entre a vida e a morte do paciente. Às vezes tem a ver com quem financia a pesquisa; às vezes tem a ver com o mero afã de publicar.

“As pessoas fazem vários e vários estudos, e na ocasião em que algo funciona, elas publicam. Nas ocasiões em que não funciona, não publicam”, disse , numa palestra TED de abril que foi ao ar nesta semana, o médico britânico Ben Goldacre, autor do livro “Bad Science“. “Essa é uma falha sistemática no centro da medicina”, afirmou. Veja o vídeo aqui:

Goldacre é psiquiatra, e em sua área toda hora aparece alguma química nova para tratar os males da alma. Ao listar cinco casos de remédios que faziam mal aos pacientes por falha na divulgação das pesquisas, ele começou mencionando um que ele próprio receitou a um paciente. Confira se você já tomou algum destes remédios:

  1. Reboxetina (antidepressivo): Goldacre receitou esse remédio a um paciente que não respondia a outras drogas após ler elogios em publicações científicas. Não funcionou. Examinando as evidências, porém, ele descobriu que as pesquisas publicadas se referiam a apenas 507 pacientes cuja resposta à droga foi mais significativa do que a um placebo. Mas percebeu que foram excluídos das pesquisas publicadas os 1.657 casos em que a droga não funcionou.
  2. Lorcainide (cardíaco; qual a tradução?): usada em pacientes de ataques cardíacos para aumentar a chance de sobrevivência. Foi testada em 1980 em menos de cem pacientes; metade usou essa droga (9 morreram) e metade não usou (1 morreu), segundo resultados não publicaram. Mais de 100 mil pacientes que usaram essa droga morreram desnecessariamente, segundo Goldacre.
  3. Rosiglitazona (antidiabético): um estudo que relacionava a droga a problemas cardíacos deixou de ser publicado. A GlaxoSmithKline, fabricante do medicamento, teria segundo Goldacre tentado silenciar o autor do estudo. Em 2010, a droga foi restrita.
  4. Tamiflu (para “gripe A”): durante o pânico com a gripe A – que matava menos gente que a gripe comum, como revelou o repórter Mario Cesar Carvalho -, governos do mundo todo, inclusive do Brasil, compraram lotes e mais lotes desse remédio para proteger suas populações. A evidência em favor do produto, fabricado pelo laboratório Roche, se baseava em dois estudos publicados. Pedidos de informação utilizando leis de acesso revelaram que havia oito estudos não publicados. Todos eles vieram com tarjas pretas cobrindo partes do texto. Para mais detalhes, recomendo vivamente a leitura desta série do Investigative Journalism Bureau britânico.
  5. Paroxetina (antidepressivo): o remédio é normalmente receitado para adultos. A Glaxo, porém, tentou colocar a droga no mercado de remédios para crianças. Um dos estudos não publicados não mostrou benefícios. Alguns testes mostravam um aumento na propensão ao suicídio entre as crianças que usavam os remédios. Só em 2003 a paroxetina foi proibida para pacientes com menos de 18 anos.

Além do livro de Goldacre, que é excelente, recomendo também “O Fundo Falso das Pesquisas“, de Cynthia Crossen. É mais antigo, mas bastante abrangente em sua análise dos motivos pelos quais pesquisas de toda espécie dão errado. A Alessandra Carvalho recomendou aqui nos comentários o livro  “A Verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos”, de Marcia Angell, que eu ainda não li.

Qual a sua história com pesquisas e remédios? Conte aqui nos comentários.

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