O Afinal de Contas começa a publicar semanalmente um post com uma resenha de livro sobre números e dados. Toda semana, as resenhas serão ilustradas com charges do amigo Flavio Soares, craque dos quadrinhos.
O primeiro livro está na minha fila de posts há algum tempo. É “Os Números (não) mentem“, de Charles Seife (Zahar, 2012). Todo dia, quando entro aqui no blog, vejo a capinha do livro no anúncio da Livraria da Folha me lembrando que preciso falar dele. É um dos melhores que li neste ano.
Você viu nas redes sociais, nos últimos dois meses, o quanto o meio político atribui poderes mágicos às pesquisas de intenção de voto. As torcidas organizadas de cada partido têm certeza de que as pesquisas que beneficiam seu candidato com meio pontinho estão certas e que todas as outras só poderiam ter sido compradas pelos adversários. Sem falar que sempre aparece algum parlamentar propenso à censura querendo proibir a divulgação de pesquisas eleitorais.
Matemático e professor de jornalismo, Seife critica a forma como os números são usados no debate público sobre todo tipo de tema.
Números, lembra o autor, geralmente expressam medições. Medições são feitas por seres humanos. Seres humanos falham.”Por mais ridícula que seja uma ideia, expressá-la sob a forma numérica faz com que ela soe respeitável, ainda que a medição subentendida seja claramente absurda”, diz Seife.
Ele aponta as principais falácias que aparecem nessas horas: colheita de cerejas (escolha de resultados favoráveis), comparação de bananas com laranjas, desestimativa (levar ao pé da letra um resultado de medição), empacotamento de frutas (mostrando só o lado mais bonito, como fazem os feirantes) e randomiopia (cegueira aos efeitos aleatórios).
Seife dedica um capítulo inteiro às pesquisas de opinião, mostrando todo tipo de fator que pode influir nos resultados. Desde os erros amostrais, previstos na definição do tamanho e composição de uma amostra (margem de erro de X pontos percentuais para cima ou para baixo, intervalo de confiança de Y%), até os erros não-amostrais. Que podem incluir até a rejeição visceral dos simpatizantes de um partido às pesquisas em geral.
(Recomendação de Seife: a menos que você seja profissional de marketing político, dificilmente as pesquisas mudam sua vida. Leia-as com inteligência, de maneira crítica, atentando às sutilezas dos números, mas não as leve para o lado pessoal.)
A pesquisa mais confiável é a urna, todos dizem. Ela não está exposta a erros amostrais, já que contabiliza todos os que foram votar. Também não está exposta a erros não amostrais, já que vale o voto dado.
O problema é que a contagem dos votos pode ter problemas também. De acordo com Seife, “as autoridades eleitorais rezam por vitórias esmagadoras; margens folgadas encobrem erros, enquanto as decisões apertadas ressaltam e iluminam qualquer falha”.
Mesmo o sistema brasileiro de contagem dos votos, cuja “infalibilidade” (conceito inexistente em processamento de dados) o TSE não cansa de trombetear. Há pouco, o colunista da Folha Silvio Meira escreveu em seu blog sobre “A urna eletrônica e a falta de transparência nas eleições“. Belo post, recomendo a leitura.
Caso alguma cidade termine com o resultado muito apertado neste domingo, vale a pena observar uma situação interessante. Se alguma urna der problema, deve haver uma disputa jurídica difícil de resolver, porque o sistema brasileiro não permite recontagem independente.
Mas recontagem resolve? Seife acha que não. Como cada candidato pode defender métodos de contagem perfeitamente legítimos desde que o beneficiem em detrimento do adversário, o autor sugere que jogar uma moeda para cima em casos de muita indefinição poderia ser mais rápido, barato e até justo.
“É uma ilusão fingir que as eleições podem ser perfeitas”, escreve Seife. “Trata-se de uma atividade imperfeita por sua própria natureza. Simplesmente temos a sorte de, na maioria das vezes, o resultado da eleição ser claro o suficiente para ser visível em meio à sujeira”.
Se política não é sua praia, não se preocupe. Seife tem capítulos sobre outros assuntos também.
O cerne do livro é que os números mentem tanto quanto as palavras. Não mentem mais e nem menos do que elas. São ferramentas usadas por gente séria e por gente nem tanto. Cabe a cada um conhecer as maneiras como são usados para não ser enganado por quem usa números ou palavras para mentir. Um livro assim sempre ajuda.