Afinal de Contas

por Marcelo Soares

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Marcelo Soares escreve sobre dados e o que eles podem revelar

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A diferença entre escola pública e particular é a presença do professor

Por Marcelo Soares

Li uma interessante reportagem da Daniela Arais comparando dados do Censo Escolar 2011 por tipo de escola: “Escolas de até R$ 500 são menos equipadas que as da rede pública“.

O único reparo que eu faria, depois de observar o infográfico, é que não são apenas as escolas particulares mais baratas. As públicas só perdem das mais caras nas quadras esportivas cobertas da rede municipal.

Confira:

Não sou especialista em educação, mas os dados em parte fecham com minha experiência de aluno. Estruturalmente, a rede pública melhorou bastante desde os anos 80, mas o que faz diferença é o professor presente.

Estudei em escola pública praticamente a vida inteira – excetuando a primeira série, porque fui alfabetizado cedo e escolas estaduais não aceitavam matrículas antes dos 7 anos; a sétima série, quando ganhei uma bolsa; e o cursinho pré-vestibular, que paguei com metade do salário mínimo que ganhava por mês como auxiliar de contabilidade. De resto, do jardim de infância à formatura em jornalismo, estive na escola pública.

Minha maior reclamação era em relação à estrutura, claro. Na escola onde fiz a maior parte do primeiro grau, em Porto Alegre, certa vez uma tábua desabou do forro entre duas filas de carteiras. A estrutura foi decaindo gradualmente. Lá por 1988, por algum motivo, a biblioteca fechou. Meus irmãos mais novos não puderam aproveitar a biblioteca tanto quanto eu pude. A quadra esportiva não era coberta, mas nos anos 80 tomar uma chuvinha de vez em quando não era nenhuma calamidade como parece ser hoje.

Na escola onde fiz o segundo grau, o ensino era excelente; o problema era a disponibilidade dos professores. Nos dois anos em que estudei à noite, a falta de docentes para algumas disciplinas – especialmente as mais técnicas. Acho que tive quatro professores diferentes de Contabilidade e Custos em dois anos.

Greves dos professores eram uma constante desde sempre, aliás.

A primeira que peguei foi em 1985, quando eu estava na terceira série. Durou três meses, salvo engano. Uma eternidade aos oito anos. Lembro de uma tarde em que estava de bobeira em casa por causa da greve e o então presidente José Sarney entrou em rede nacional anunciando a mudança da moeda, do cruzeiro para o cruzado. Fiquei impressionadíssimo.

A última greve que peguei foi em 2002, quando eu estava tentando terminar a faculdade de jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A matrícula do segundo semestre foi só em 19 de setembro, na manhã seguinte a um memorável show do Deep Purple no Gigantinho. Sequer troquei de roupa entre o show e a matrícula.

Na escola particular onde estudei na sétima série, não houve greve e nunca desabou uma tábua no meio da classe; essa a principal diferença que encontrei na minha experiência. Fora o poder aquisitivo comparativo de alguns colegas, não percebi grande diferença. Aprendi tanto quanto numa e noutra. Tive sorte? Talvez. Mas não tenho certeza.

Os dados do Censo Escolar levantados pela Folha mostram que, em termos de estrutura, um quarto de século depois do dia em que a tábua desabou ao lado do meu braço, as escolas públicas estão na média melhores do que muitas particulares.

O problema, de acordo com a análise de Naércio Aquino Menezes Filho, professor do Insper  e da USP, continua sendo o mesmo que o menino Marcelo constatou nos anos 80: o problema da escola pública é a falta de professores. Ou porque se licenciam, ou porque fazem greve, ou porque simplesmente não comparecem.

“Se isso ocorresse em uma escola privada os professores faltantes fatalmente seriam demitidos. Caso contrário, os pais iriam reclamar e, no limite, a escola iria à falência. Isso não ocorre no sistema público, no entanto. Os pais não têm para quem reclamar e os diretores e secretários não têm o que fazer porque a legislação no setor público é muito restritiva”, escreve o pesquisador.

Não é diferente do que eu percebia como aluno. Também não é diferente do que a menina catarinense Isadora Faber vive denunciando em sua página do Facebook, o “Diário de Classe“, atraindo pedradas reais e metafóricas.

Claro que as escolas públicas têm problemas. Muitos. Mas eles não se resolvem exatamente mudando os filhos para a escola privada, embora isso seja uma decisão bastante legítima e razoável. Se tivéssemos mais pequenas Isadoras nas escolas públicas, mais pais presentes como os dela parecem ser, talvez a mudança cultural tomasse menos tempo.

EDITADO: Obviamente, sei dos péssimos salários que os professores recebem e imagino que cativar uma turma de adolescentes cheios de distrações não deva ser fácil. Tenho um respeito e gratidão imensos pelos professores, especialmente os da rede pública, onde estudei por vinte anos. Suponho que melhorar as condições salariais e profissionais dos professores possa ajudar a melhorar a situação, mas não conheço estudos que mostrem diferenças gritantes de qualidade na rede pública entre Estados que pagam melhor e Estados que pagam pior. Por outro lado, prejudicar o aluno por causa dos maus salários me parece cruel. Em sua opinião, como melhorar essa situação? Conte aqui nos comentários.

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