Pela primeira vez, neste ano, parte da prestação de contas eleitorais está sendo divulgada pela Justiça Eleitoral quase em tempo real. Isso foi feito discretamente, mas é uma revolução na prestação de contas eleitorais – ainda que a forma como ela foi implementada possa causar mal-entendidos iniciais.
As doações eleitorais são regulamentadas desde 1993, mas sempre foram abertas apenas uma vez, semanas após as eleições. A divulgação em tempo real é um elemento importante para ajudar na fiscalização de eventuais irregularidades antes de os candidatos serem eleitos. Se todos puderem saber antes, há mais olhos atentos e pode-se fazer representações ao Ministério Público Eleitoral antes que seja tarde.
O mais próximo que havíamos chegado disso foi em 2012, quando a ministra Cármen Lúcia, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal, determinou que as prestações de contas parciais, de agosto e setembro, fossem publicadas na internet para que todos os cidadãos pudessem ter acesso a pelo menos à parte que foi doada um mês antes do pleito. Na época, as prestações de contas parciais eram facultativas. (Leia o texto deste blog, publicado há quatro anos.) Boa parte das doações ocorria depois desse prazo, porém.
A história da regulamentação do financiamento de campanhas foi tema do projeto “O Custo do Voto“, feito pela turma 53 do Programa de Treinamento da Folha em 2012, sob minha tutoria. Produzimos a linha do tempo do financiamento de campanhas, excelentes entrevistas com especialistas falando sobre a regulamentação, um panorama mundial do financiamento de campanhas e perfis das diversas maneiras como candidatos se financiavam pelo Brasil.
A regra da divulgação das prestações parciais se manteve em 2014, com uma mudança: era preciso identificar de quem era o dinheiro que chegou aos candidatos. Em 2015, houve mudanças na lei. Foram proibidas as doações de empresas, e um novo procedimento de prestação de contas foi adotado.
Pela cartilha de prestação de contas (pg. 32) preparada pelo TSE para os partidos, isso permitiu a divulgação das contas em tempo real, que agora ocorre:
• Os partidos políticos, as coligações e os candidatos devem informar à Justiça Eleitoral, através do SPCE, todos os recursos em dinheiro recebidos para financiamento de sua campanha eleitoral, no prazo de até 72 horas a partir da data do crédito da doação na conta bancária. O Tribunal Superior Eleitoral disponibilizará, na página da Internet, em até 48 horas, o relatório financeiro contendo os créditos informados, podendo divulgar também os gastos realizados..• Os partidos políticos, as coligações e os candidatos devem encaminhar, pela Internet, por meio do SPCE, a prestação de contas parcial durante o período de 9 a 13 de setembro de 2016 contendo toda movimentação financeira realizada desde o início de campanha até o dia 8 de setembro de 2016. Os respectivos dados serão divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral até o dia 15 de setembro.
Trata-se de entradas diferentes e complementares. Os dados informados em até 72 horas a partir do crédito entram no ar no Divulgacand em até 48 horas do recebimento. Ou seja: em até 5 dias, o dado está no ar. Mas são aparentemente só os recursos recebidos em dinheiro. Os valores disponíveis não permitem muito detalhamento.
A prestação de contas parcial, que utilizei no post que compara os valores da produção do horário eleitoral gratuito, inclui todos os recursos recebidos, inclusive recursos estimados (se alguém emprestou uma casa para a sede, ou doou seu tempo, por exemplo). Mas só até o dia 8 de setembro – ou até o dia da declaração. Esses são os dados disponíveis no Repositório de Dados Eleitorais de maneira muito detalhada.
Pela primeira vez, portanto, tem-se a informação de dados mais atualizados do que o das prestações parciais de contas, ainda que possam estar menos completos do que o que se exigirá quando forem enviadas as prestações de contas formais.
RESOLVENDO UM MAL-ENTENDIDO
A novidade é extremamente bem-vinda, talvez a mudança mais positiva que vi em eleições recentes, mas ao primeiro contato pode causar mal-entendidos. Eu não havia notado até passar por um deles.
Nesta sexta (16), utilizando os dados da prestação de contas parcial, comparei os gastos declarados pelas quatro maiores campanhas na rubrica de produção de programas eleitorais.
Os dados da prestação de contas parcial, obtidos no Repositório, não batiam com os disponíveis no Divulgacand, segundo me foi informado por assessores da campanha de João Doria. Voltei a checar os dados da prestação parcial de contas. Eram exatamente os mesmos que eu tinha apurado.
À noite, perplexo com as divergências dos números, publiquei no mesmo texto uma nota explicativa. Um leitor perguntou por que usamos dados “menos confiáveis” para comparar as campanhas. Só que o problema desses dados não é de confiabilidade; tanto os dados da prestação de contas quanto os publicados no Divulgacand são oficiais. Um dos modos, porém, é mais atualizado, embora não ofereça o mesmo grau de detalhamento.
Devido ao mal-entendido de sexta, refiz os cálculos da postagem de ontem a partir dos dados disponíveis no Divulgacand. Como eles refletem um dado mais atualizado, levei em conta os minutos de propaganda utilizados nos 21 dias desde o início da propaganda no rádio e na TV.
Quase todos gastaram mais com a propaganda depois da prestação de contas. Então, ficou assim:
Candidato | Despesas com produção de propaganda | Minutos usados em 21 dias | Despesa por minuto |
João Doria | R$ 8.718.000,00 | 336 | R$ 25.946,43 |
Fernando Haddad | R$ 5.489.460,00 | 283,5 | R$ 19.363,17 |
Marta Suplicy | R$ 1.695.000,00 | 213,5 | R$ 7.939,11 |
Celso Russomanno | R$ 177.400,00 | 131,6 | R$ 1.348,02 |
Major Olímpio | R$ 58.913,71 (estimável) | 39,55 | R$ 1.489,60 |
Luiza Erundina | R$ 23.000,00 (estimável) | 19,25 | R$ 1.194,81 |
Ricardo Young | R$ 120.000,00 | 17,5 | R$ 6.857,14 |
Com isso, pelos dados atualizados, Doria não gastou mais com sua comunicação do que a soma de todas as despesas das candidaturas adversárias.
De todo modo, gastou mais nessa rubrica do que a soma das despesas de propaganda declaradas de todas as candidaturas adversárias (R$ 7.563.773,71).
O curioso é que, a julgar pela despesa declarada por minuto, Celso Russomanno – cujo programa tem nível técnico semelhante ao dos de Doria ou Haddad, os que mais investem nisso – teria gasto proporcionalmente apenas mais do que Luiza Erundina, que usa recursos de baixo custo como mostrar o meme do John Travolta confuso, e menos do que o Major Olímpio, que repete nas inserções o mesmo grito do seu voto na Câmara sobre o impeachment de Dilma, em abril.
Erundina e Olímpio declararam suas produções como “Baixa de estimáveis”, ou seja, serviço recebido sem pagamento e declarado pelo quanto valeria se fosse para pagar.