Afinal de Contas

por Marcelo Soares

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Marcelo Soares escreve sobre dados e o que eles podem revelar

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O campo de batalha da Web é o seu tempo

Por Marcelo Soares

O Facebook e o Twitter andam inundados de mensagens de indignação com o programa “Pânico”, que mostrou a assistente de palco Babi Rossi raspando a cabeça.

Devo confessar que, não fosse pelos aguerridos defensores da dignidade alheia, eu dificilmente ficaria sabendo que houve isso. Tendo sabido, achei que a moça ficou até charmosa. Lembra Sinéad O’Connor quando era gatinha. Ou a Natalie Portman em “V de Vingança”. Foi por baixaria? Não sei, não vi. Também não faz diferença.

A polêmica provavelmente vai se reverter em pontos no Ibope na próxima edição do programa. Polêmica dá audiência. Minha avó, de 93 anos, acha o BBB uma indignidade, mas assiste. Perguntei por quê, se o que eles querem é justamente audiência. Ela disse: “eu vejo, mas fico aqui criticando essas baixarias”. Minha velhinha não é a única. Em janeiro, quando houve a polêmica do estupro no programa, houve um aumento de 80% na audiência na edição seguinte.

Existe um conceito que pouca gente entende na internet: o da economia da atenção (cunhado por Herbert Simon em 1971 e desenvolvido neste livro interessantíssimo, há 11 anos). Há um bom artigo no Read/Write Web a respeito, mas vale a pena dar uma olhada no que significa em bom português.

O princípio fundamental da economia é que os desejos são infinitos mas os recursos são escassos. A economia é a ciência severa da escassez. Num mundo em que as formas de deixar o tempo passar são abundantes, o recurso mais escasso é o seu tempo.

Assim como na economia de reais você pode decidir se vai à balada ou se bota o dinheiro na poupança para usar depois, na economia da atenção você decide a todo instante o que fazer com seu tempo. Você pode assistir TV ou ler um livro ou curtir a família. Você pode prestar atenção no seu trabalho ou retuitar memes da internet.

“Tempo é dinheiro” é uma equação inversamente proporcional: se você tem pouco tempo, você gasta mais dinheiro (ir a um compromisso de táxi versus ir de ônibus); se você tem tempo sobrando, gasta menos dinheiro (espera para comprar passagens de avião quando há uma promoção). Geralmente somos mais ricos em tempo do que em dinheiro. Exatamente por isso tendemos a praticamente acender charutos com notas dele.

Você aloca seu tempo usando uma moeda chamada atenção.

Assim como na economia de reais, a atenção “non olet”. Para o lojista do shopping center, não importa como você ganhou seu dinheiro; o que importa é que ele entre no caixa. Na economia da atenção, não importa se a atenção é positiva ou negativa. O que importa é fazer barulho, o que se traduz em cliques, vendas e pontos de Ibope.

Rebecca Black descobriu isso do jeito mais doloroso possível para uma menina de 13 anos. Ela gravou um clipe bobinho, infantil (afinal, qual era a idade dela, mesmo?), feito com a grana dos pais. Caiu na má boca do povo – teve 55 milhões de acessos em menos de um mês, com 90% de avaliações negativas e pilhas de sátiras. Mesmo com tanta vibe ruim, rendia R$ 27 mil por semana com vendas no iTunes e anúncios no YouTube. Em 2011, ela lançou mais um clipe.

Que o diga Avnash Kaushik, um papa da análise de métricas da Web, ao discutir as dificuldades de medir o “engajamento” do público online no livro “Web Analytics 2.0“:

“Dados quantitativos são limitados no sentido em que eles podem medir o grau de engajamento, mas não o tipo de engajamento.”

Ele define grau como um contínuo que vai da apatia (não vi, não cliquei) até o envolvimento acima da média com o objeto (passar o dia inteiro bombando a hashtag). O tipo é que pode ser positivo ou negativo, mas as métricas de Web não verificam isso. O clipe de Rebecca Black teve um alto grau de engajamento, ainda que do tipo negativo. Todos os 55 milhões que o assistiram viram impressões de anúncios do YouTube. Mais de 27 mil pessoas por mês compraram a música. E todos os que assistiram ao reality show no dia da polêmica foram expostos às mensagens do patrocinador. Sucesso absoluto.

Com o que você gasta seu tempo? Já prestou atenção?

Existem algumas ferramentas como o RescueTime, que ficam no seu browser medindo o tempo que você passa em cada tipo de site. Os relatórios dele chegam a ser assustadores.

O tempo é efetivamente jogado fora quando você o gasta com algo de que não gosta. Eu conheço o sabor do prazer mórbido de falar mal das coisas de que não gosto. Afinal, eu era fã de heavy metal em pleno auge do pagode mauricinho dos anos 90, antes mesmo do Tchan.  Mas naquela época falar mal não se traduzia em cliques e trending topics. Que são medidas de sucesso, enfim.

Não gosta? Ignore, em vez de ficar criticando. Isso não significa que “é feio criticar”. Significa que a energia que você gasta criticando se traduz em sucesso para os fenômenos que você critica. Gaste seu tempo como se fosse dinheiro: com o que você acha que vale a pena. Porque quem recebe esse tempo muitas vezes o traduz em dinheiro. Critique, sim, o que mereça seu tempo – especialmente se isso não for capitalizar em cima da sua raiva.

Na internet, “sua inveja faz o meu sucesso” não é frase de pára-choque de caminhão. É modelo de negócios.

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