Afinal de Contas

por Marcelo Soares

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Marcelo Soares escreve sobre dados e o que eles podem revelar

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Olhando os dados das cotas em uma universidade

Por Marcelo Soares

Hoje, o Supremo Tribunal Federal prossegue a discussão sobre a constitucionalidade das cotas raciais nas universidades. Até o cineasta Spike Lee veio ver.

Noves fora o debate sobre racialização e sobre identificação de raça, vale a pena entrar no mérito de um dos argumentos mais frequentes no debate: o mérito acadêmico. Um dos argumentos contra as cotas é que o cidadão que entra na faculdade por meio delas vem favorecido por critérios mais relaxados que o do vestibular diretão.

SAIBA MAIS
Planilha das notas geral e por cota da UFSJ (Google Docs)
Assista ao vivo ao julgamento do STF (UOL)

O professor Marcelo Träsel, da PUCRS, escreveu um post interessante a respeito. Ele procurou dados de vestibular de cotistas, mas só encontrou os de uma universidade, a Universidade Federal de São João Del Rei. Ela publica a maior e a menor nota por curso e por cota. Só que o original está em PDF, o que me levou a converter o arquivo para ver melhor.

Pela política da universidade (leia aqui), metade das vagas no vestibular ou no SiSU vão para estudantes que passaram a vida inteira em escolas públicas. Essas vagas se dividem entre estudantes brancos e asiáticos de escola pública (cota 1) e estudantes negros, pardos e indígenas de escola pública (cota 2).

Há algumas coisas interessantes a observar nessa planilha, olhando as notas.

O ponto principal é olhar a nota de corte, que é a mais baixa. Já vi amigos que fizeram concurso público se queixarem de que ficaram na nota de corte e só não entraram porque passou na frente alguém da cota da “matrix”, como diz o Jairo Marques. Sempre achei complicada essa zanga.

Se a nota de corte dos cotistas é parelha ou mais alta que a dos que entraram sem cotas, é sinal de que o mérito acadêmico é o mesmo. O argumento da falta de mérito só teria algum mérito caso fosse muito grande a diferença.

Então simplesmente passemos os olhos. Em alguns cursos, como Artes Aplicadas Noturno e Ciências Contábeis Noturno, a nota mais baixa da cota 2 é mais alta que a nota mais baixa da ampla concorrência.

Alguém pode olhar esses números e dizer que, se é assim, esses estudantes não precisariam das cotas para entrar. Mas a questão parece ser outra.

Sempre estudei em escola pública. Na adolescência, quando resolvi prestar vestibular para uma universidade pública, ouvi até de parentes que “pobre não entra” em universidade pública. Que “tem que ter estudado em escola particular” para passar no vestibular. Essas noções estão tão arraigadas no imaginário popular que levam muitos estudantes a desistir antes mesmo de tentar. Talvez isso até explique o fato de eu não lembrar de ver estudantes negros na fila para fazer o vestibular. Devia haver alguns, mas certamente eram bem pouco representados.

As cotas parecem dar um sinal de que estudantes que precisam ralar mais na vida são bem-vindos à universidade. E, se a impressão que a planilha dá for correta, o mérito é o mesmo. Dificilmente a planilha vai mudar a opinião que você tem a respeito, mas vale a pena dar uma olhada.

O que você pensa sobre o assunto? E o que você viu de interessante na planilha?

ATUALIZANDO: A sempre ligada Josélia Aguiar lembrou que há estudos sobre o desempenho de cotistas na Universidade Federal da Bahia. Encontrei alguns, que você pode baixar:

“Avaliação da ação afirmativa no vestibular da UFBA” (PDF)
Com as cotas, alunos de escola pública tinham a mesma chance de serem aprovados que os de fora dela. Sem o sistema de cotas, os aprovados seriam mais jovens do que os reprovados, em todos os anos.

“Sistema de cotas e desempenho de estudantes nos cursos da UFBA” (PDF)
Viu a entrada de estudantes que não se candidatavam sem as cotas. Isso seria consequência de uma “demanda reprimida das escolas públicas que, pelo sistema tradicional, classificatório, não teriam nenhuma oportunidade na instituição”.

“Vestibular com cotas: análise em uma instituição pública federal” (PDF)
“A análise dos dados UFBA nos permite afirmar que a introdução de um programa de ações afirmativas para alunos oriundos das escolas, negros e índios possibilitou a inserção de estudantes que pelo tradicional sistema universal não teriam logrado êxito em cursos mais competitivos como Medicina, Direito ou Odontologia”

“COTISTAS E NÃO-COTISTAS: RENDIMENTO DE ALUNOS DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA” (PDF)
“Em termos de diferenças substantivas no rendimento na universidade – as que realmente importam – não houve uma sistemática superioridade dos estudantes não-cotistas, embora assim previssem críticos do sistema de reserva de vagas.”

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