Está fazendo sucesso no Twitter, hoje, uma manchete do Diário Oficial de São Paulo: “Mais ciclistas, mais acidentes”. Não acredita? Veja neste link.
Ela se baseia em estatísticas oficiais; conforme foi aumentando o número de ciclistas de São Paulo, aumentou o número de acidentes. Um perigo para os ciclistas, já que – diz o argumento – “São Paulo não está preparada para a bicicleta”. Segundo eles,
“A Secretaria de Estado da Saúde informa que, no ano passado, 3,4 mil pessoas foram internadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) paulista, gerando custo de R$ 3,25 milhões à administração estadual.”
Ali não fala quanto o SUS paulista gasta atendendo internados por outros tipos de acidente, mas eu não pararia por aí. Sou pedestre, e sei o quanto é perigoso andar a pé em São Paulo. São Paulo não está preparada para o pedestre. Mais pedestres, mais acidentes.
Sério? Sim. Mais pessoas, mais mortos, sempre. Em números absolutos, pelo menos. Mas e os relativos? Ficaram faltando.
Isso é o mau uso dos números para apoiar um argumento ruim. É mais ou menos o mesmo que dizer “mais usuários de água, mais pacientes de câncer”. É verdade? É. Mas o problema é a água? Não. Assim como o problema não é a bicicleta.
Sim, ciclistas se acidentam. Pedestres se acidentam. Mas todos têm direito à rua, independente de como queiram se movimentar.
O Código de Trânsito disciplina o acesso à rua para todas as modalidades de transporte. Segundo a lei, quem usa veículos mais pesados, portanto mais perigosos e que podem causar maiores danos, precisa ficar atento para não acidentar quem está em veículos mais frágeis. A responsabilidade do Estado é procurar garantir essa civilidade no trânsito.
Não é desincentivando o uso da bicicleta ou das pernas que isso vai acontecer. Muito antes pelo contrário.
EDITADO: o leitor João Lacerda trouxe a referência de dois estudos que ajudam a dar uma medida comparativa das proporções dos acidentes.
Em janeiro de 2011, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada divulgou pesquisa sobre a percepção da mobilidade urbana. Baixe a íntegra aqui. Segundo ela, os brasileiros usam os seguintes modos de transporte para se deslocar:
Transporte público: 44,3%
Carro: 23,8%
Moto: 12,6%
A pé: 12,3%
Bicicleta: 7%
Em 2009, a Confederação Nacional dos Municípios fez um mapeamento das mortes no trânsito. Baixe a íntegra aqui. Os dados mais recentes que o estudo usa são de 2007. Na época, a distribuição dos acidentes era esta:
Acidentes com ocupantes de veículos – 48%
Atropelamentos de pedestres – 26%
Acidentes com motociclistas – 22%
Acidentes com ciclistas – 4%
Não dá para fazer uma comparação muito precisa porque são números apurados de maneiras diferentes em anos diferentes. Numa comparação grosseira, porém, temos:
Bicicletas carregam 7% das pessoas e sofrem 4% dos acidentes
São pedestres 12,3% das pessoas, que sofrem 26% dos acidentes
Usam veículos (transporte público e carro) 68,1% das pessoas, que sofrem 48% dos acidentes
Andam de moto 12,3% das pessoas, que sofrem 22% dos acidentes
Andar a pé e de moto é mais perigoso do que andar de bicicleta, pelo jeito. Mais pedestres, mais acidentes. Mais motociclistas, mais acidentes.
Menos política pública, mais títulos sem noção no Diário Oficial.