Há dez dias, publiquei aqui o post “Senado publica salário de servidor, mas quer saber onde o curioso mora“. Ali, comentei: “Parece feito sob medida para intimidar os curiosos.” Fui bondoso com o “parece”, pelo jeito.
Tribunal após tribunal reconheceu que a informação dos salários dos servidores é pública. Atendendo a contragosto à determinação, os órgãos públicos resolveram impor a barreira do cadastro e informar aos consultados. O que é um perigo.
O Contas Abertas conta hoje o caso de um servidor do Tribunal Superior Eleitoral que consultou por dados de uma servidora do Senado, ao acaso, e recebeu uma resposta malcriada.Ou seja: os dados pessoais de quem consultou os dados da servidora foram enviados para ela.
Reproduzo aqui alguns parágrafos do site:
O insultado foi Weslei Machado – também servidor público, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “Assim que começaram as discussões quanto ao aumento salarial no Judiciário, resolvi comparar nossa remuneração com as remunerações dos outros poderes”, conta ele.
Após realizar, por acaso, a consulta à remuneração da servidora, Weslei recebeu a primeira mensagem às 15h21 do dia 4 de outubro: “O seu interesse pelo meu salário é mesmo público? Por questões de segurança, posso saber, por exemplo, quem, onde e quando alguém acessou meus dados, mas não o porquê. Se alguém que conheço acessa meus dados, então é bisbilhotice. Só por isso pergunto”.
O sistema de consulta de remunerações de servidores utilizado pelas Casas do Congresso Nacional exige que qualquer interessado em verificar o salário de um servidor em particular forneça informações pessoais, tais como endereço de e-mail, número do CPF e endereço residencial. Apenas após o preenchimento desse formulário é possível visualizar a informação desejada. Todos os dados pessoais são enviados ao servidor que teve a remuneração consultada.
Weslei respondeu, às 15h53, que, nos termos da Lei de Acesso à Informação, não precisaria motivar o acesso ao contracheque. “Trata-se de um direito da cidadania. Como cidadão, estou fiscalizando os valores gastos pela Casa da Fiscalização (Senado) com o seu pagamento”, escreveu.
Como réplica, às 16h45, a servidora disparou: “Venia permissa. Se eu o conhecesse, chamá-lo-ia simplesmente de fofoqueiro. Ratione legis, você é um fiscal. Ratione personae, apenas um bisbilhoteiro”. As três expressões em latim usadas pela servidora significam, respectivamente: “Com sua permissão para discordar”; “Em razão da lei”; e “Em razão da pessoa”.
Weslei considerou o e-mail “afrontoso”, já que estava exercendo um direito. “Fiquei decepcionado. Mais uma vez, confirmamos que o Senado é uma Casa que não cumpre com o princípio republicano e que seus servidores não respeitam a população”.
Esse tipo de medida vai completamente contra o espírito da lei de acesso a informações públicas, porque não protege a privacidade de quem consulta informações que o poder público é obrigado a fornecer. Na Câmara, existe o mesmo tipo de medida.
Nesse caso, houve basicamente uma desinteligência. Mas imagine, por exemplo, o que fariam nas regiões de faroeste do Brasil a quem consulta informações sobre os proprietários de fichas sujas de sangue.
No último post que escrevi a respeito, houve um debate interessante nos comentários sobre os limites da privacidade e da curiosidade. Há servidores públicos sérios preocupados com a possibilidade de riscos à sua segurança.
Pessoalmente, acredito que a divulgação dos salários dos servidores prejudica muito, mas muito, menos a segurança do servidor do que a exigência de identificação prejudica a segurança do curioso.
SERVIÇO: O Girino Vey, programador de mão cheia, colocou no ar para qualquer um consultar os dados dos salários do Senado e outros cantos da administração federal e estadual de São Paulo, por várias formas de resumo. Clique aqui e veja tudo. Ele terá lá os dados de junho a setembro daqui a pouco.