Recebi ontem a mais nova edição da revista “Página 22”, editada pela Fundação Getúlio Vargas. Ela traz uma entrevista muito importante com o professor Ciro Biderman, da FGV, especialista em economia urbana. Nela, ele discute maneiras de fugir do que chama de “carrocentrismo”.
Segundo ele, as políticas públicas para a cidade são feitas de maneira a estimular o uso do carro, e não o contrário. Lendo a entrevista, você enxerga elementos multifacetados de política pública, sem uma só solução mágica – a solução não é “a bicicleta”, “o bilhete único”, “o metrô”. Passa por onde os cidadãos moram, onde trabalham e que opções têm para ir de um lugar a outro. Se você tem contato com algum candidato a prefeito ou vereador, valeria a pena mandar a ele ou ela uma cópia dessa entrevista.
LEIA MAIS
A edição da “Página 22” sobre mobilidade urbana
Frota da cidade de São Paulo ultrapassa 7 milhões de veículos (4.abr.2011)
Andar a pé será mais rápido do que de carro (14.set)
Até você dar R$ 1 para a educação no trânsito, já perdeu a habilitação (1º.ago)
Diário Oficial e as bicicletas: sem noção (11.jul)
Você passa mais tempo no trânsito do que com sua família (3.jun)
O pedestre: meio desligado ou pouco respeitado? (18.abr)
A revista chegou num dia propício, quando a prefeitura anuncia a redução no número de pedestres mortos no trânsito por causa de uma política pública tímida de respeito ao pedestre. No primeiro semestre de 2012, morreram 266 pedestres em São Paulo, contra 271 em 2005. Ainda é um número muito alto, mas o começo de reversão é resultado de política pública de respeito ao pedestre.
Também chega numa hora saudosista. Há quatro anos, neste dia, eu voltava de uma curta visita a Malmö (Suécia) e Copenhague (Dinamarca) com a cabeça completamente transformada a respeito de pra que serve uma cidade.
Eu já tinha lido “Morte e Vida de Grandes Cidades“, de Jane Jacobs, alguns anos antes. Achava genial sua ideia de que as cidades devem servir às pessoas que moram nelas e não aos motores dos seus carros. Que as ruas devem ter usos múltiplos pros habitantes poderem fazer o máximo possível a pé. Que segurança urbana tem mais a ver com gente na rua, fazendo coisas normais da vida, do que com polícia.
Minha reação até 2008, porém, era mais ou menos a mesma de muita gente: “na teoria é bonito, quero ver na prática”.
Em Malmö e em Copenhague, eu VI na prática ao parar numa esquina pra esperar o sinal fechar para os carros – e ver o carro parar MESMO ASSIM para eu atravessar.
Na primeira vez eu fiquei quase constrangido com a gentileza. Antes da quinta vez, me acostumei. Não era um favor que ele estava me fazendo em esperar pacientemente que o pedestre atravessasse a rua: era sua obrigação. Ele vai chegar mais rápido de qualquer jeito, enfim.
Aí voltei pra São Paulo, onde a vida é desse jeito que a gente conhece. Ainda volto lá um dia antes que eu me acostume de novo com a grosseria do trânsito de São Paulo. Apesar de já terem passado quatro anos, ainda não reacostumei. Por isso falo tanto nos dados do trânsito aqui no blog: ainda me espanto com os absurdos.
Esse tipo de gentileza sueca não acontece por mágica e tampouco acontece porque, por decreto divino ou pela cor dos olhos, os europeus conseguem ser mais civilizados do que nós.
Não. Isso acontece por políticas públicas implantadas há mais tempo, antes que se chegasse ao absurdo paulistano. Esse um tipo de política pública que deveria estar em discussão em ano de eleição municipal. Mas não está.